Escrito por João Duarte
Segunda uma matéria do portal Brasil de Fato, as decisões políticas nos governos de Juscelino Kubitscheck e de Fernando Henrique Cardoso deixaram o clube em graves crises econômicas. Mas, será que confere?

O Ferroviário Atlético Clube, nascido no dia 9 de maio de 1933, completou 92 anos neste mês. Clube tradicional no Ceará, tem suas origens vinculadas ao Setor de Locomoção da Rede de Viação Cearense (RVC), quando os operários da empresa aproveitavam os intervalos entre os turnos. Para falar sobre a sua história quase centenária, o portal Brasil de Fato publicou, em 2020, uma matéria que cita duas graves crises econômicas envolvendo o clube: quando Juscelino Kubitscheck, na década de 1950, suspendeu a malha ferroviária para o desenvolvimento das rodovias, e na série de privatizações realizadas por Fernando Henrique Cardoso na década de 1990. Evandro Gomes, autor do Almanaque do Ferrão e ex-vice-presidente do clube, desmente as duas informações.
De acordo com o jornal, outras instituições de origem ferroviária foram extintas após Juscelino alterar o padrão do transporte de cargas no país, enquanto o Ferrão quase “fechou suas portas” pela primeira vez. Porém, Evandro desconhece as duas consequências decorrentes da decisão federal e cita fatores internos relacionados ao modelo associativo que geraram crises políticas e econômicas. “Por isso que se fala que o Ferroviário esteve perto de fechar as portas em crises políticas, principalmente ali nos anos 1970”, afirma. “Mas, absolutamente nada a ver com o Juscelino Kubitschek. Inclusive, eu desconheço essa onda de fechamento de times de origem ferroviária na época do Juscelino”.
Em 1957, a recém-criada Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) assumiu operacionalmente a RVC, mantendo o vínculo entre o clube e a estatal, com engenheiros da mesma assumindo a direção do Tubarão da Barra. A partir de 1973, o grupo liderado pelo presidente Elzir Alencar de Araripe, responsável por importantes avanços na segunda metade da década de 1960, como a compra do terreno na Barra do Ceará e a conquista do título invicto do Campeonato Cearense de 1968, se afastou. Com isso, o comando do clube passou para o deputado estadual Aquiles Peres Mota e deu início à grande crise econômica da década de 1970.
“Alguns membros da diretoria, com os resultados insatisfatórios, foram saindo, e o Ferroviário ficou com atraso do pagamento de salário, não tinha receitas. O clube ficou operando em poucos jogos no ano, em campeonatos mais curtos, que deixou o Ferroviário em uma situação muito delicada”, explica Evandro. Ele ainda destaca que o ano em que a equipe enfrentou o ápice da crise foi em 1974, quando os atrasos dos salários foram responsáveis por causas trabalhistas e penhoras de imóveis e equipamentos.
Com outra diretoria em 1975 e o retorno dos engenheiros da RFFSA em 1978, as contas do clube foram se ajustando, até a conquista do Cearense em 1979 e a classificação para a Taça de Ouro, equivalente à primeira divisão do campeonato nacional, pela primeira vez na história. “Esse episódio do Juscelino nos anos 1950 não mudou absolutamente nada, absolutamente nada”, reforça.

O segundo momento apontado pela matéria pula para quatro décadas adiante, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que se caracterizou pelo grande número de empresas federais e estaduais privatizadas ao longo de dois mandatos (1995-2002): 125. No site da Fundação FHC, o processo é definido como algo que “buscava melhorar a produtividade da economia e ampliar o acesso da população a serviços, como os de energia elétrica e de telefonia”. Porém, algumas empresas não puderam confirmar essa justificativa, como foi o caso da RFFSA.
A privatização teve início em 1992, no Plano Nacional de Desestatização (PND), do então presidente Fernando Collor de Melo, promovendo estudos incentivados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que determinava a sua transferência para o modelo privado. Entre os anos de 1996 e 1998, o processo foi concretizado com as justificativas de deterioração dos seus níveis de serviços públicos, da imagem de ineficiência medida pela produção estagnada, e dentre outros fatores. Sem desenvolvimentos significativos e com dívidas bilionárias, sua liquidação teve início em dezembro de 1999 e foi finalizada com a extinção em maio de 2007.
O modelo estabeleceu a segmentação do sistema ferroviário em seis malhas regionais, sendo a Malha Nordeste – que integrava Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão – privatizada em 1997. A partir desse momento, segundo Gomes, o FAC sentiu o baque do corte do dinheiro da RFFSA, mas que o fim da parceria esteve mais relacionado à questão logística, sem necessariamente desencadear uma crise. “O clube contava com o suporte de todo tipo de serviço, de funcionamento de um clube de futebol, da parte patrimonial. Até para fazer a pintura do muro, quem fazia eram os pintores associados à RFFSA”, comenta.
O ex-vice-presidente do Ferroviário complementa dizendo que a quebra de vínculo entre as equipes de origem ferroviária e a antiga estatal foi mais simbólico a algo propriamente econômico, e a justificativa para as crises que ocorreram no clube foi a falta de sucessão de sócios. “Houve hiatos, momentos em que o clube praticamente ficou abandonado porque demorou a chegar pessoas para assumirem ou essas pessoas colocavam certas condições de tempo, de exigibilidade. Houve momentos na história do clube que o patrimônio do Ferroviário, do terreno, foi colocado em leilão”.