Escrito por João Duarte

Neste sábado (7), às 15h45, Albânia e Sérvia se enfrentam em mais um duelo pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026. O confronto, que acontece em meio à disputa por uma vaga no Mundial, reúne elementos que prometem intensificar a partida: rivalidade histórica e desavenças políticas.
A Península Balcânica, frequentemente descrita como um barril de pólvora, reúne onze países no sudeste da Europa e segue sendo palco de intensos conflitos, inclusive dentro dos gramados. Um dos episódios mais marcantes ocorreu na fase de grupos da Eurocopa de 2024, quando Croácia e Albânia se enfrentaram. No estádio, as torcidas dos dois países se uniram para desejar “morte aos sérvios”.
Para compreender a aversão à Sérvia, é essencial revisitar a história, especialmente a dissolução da Iugoslávia. Durante esse período, as nações envolvidas nesse texto travaram guerras violentas por territórios, cujas rivalidades permanecem até os dias atuais em vários espaços da vida cotidiana. No futebol, por exemplo, os incidentes são recorrentes.
No primeiro duelo entre Sérvia e Albânia, em 2014, a tensão dominou o jogo. Aos 41 minutos do primeiro tempo, um drone com a bandeira da “Grande Albânia” sobrevoou o estádio. O meio-campista sérvio, Mitrovic, puxou o objeto, desencadeando um tumulto entre os jogadores e torcedores presentes. A partida foi interrompida e, em julho de 2015, após discussões, a Albânia foi declarada vencedora.
Anos depois, na Copa do Mundo de 2018, as tensões entre esses países voltaram a ganhar destaque. No grupo E, que também incluía o Brasil, o duelo entre Sérvia e Suíça parecia ser apenas uma disputa por vaga nas oitavas do torneio. Porém, quando Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri marcaram os gols da virada suíça e comemoraram com o gesto da águia de duas cabeças, símbolo da bandeira albanesa, o embate ganhou outros contornos.
Sobre os fatos apresentados, o professor de história do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Abner Jackson, explica que essas partidas vão além da competitividade do esporte. “Elas possuem um sentimento de raiva, de ódio, guerra mesmo. Não é uma coisa simples. É uma coisa que demonstra muita emoção, muito rancor, muita raiva. E é secular, principalmente contra a Sérvia”, afirma o docente.
Entendendo as duas Guerras Mundiais e a formação da Iugoslávia

Os Balcãs ganharam a alcunha de “barril de pólvora” de forma bastante coerente, já que sua história é marcada por intensas diferenças culturais, sociais e religiosas que geram inúmeros conflitos. Dos onze países que fazem parte desta Península, seis integravam a antiga Iugoslávia: Croácia e Eslovênia (católicos romanos), Sérvia, Montenegro e Macedônia do Norte (católicos ortodoxos), Bósnia-Herzegovina (muçulmano), e Kosovo de maioria muçulmana.
Além das muitas diferenças presentes nas tradições religiosas, cada país também abrigava uma diversidade étnica em suas populações. No Kosovo, por exemplo, a maioria albanesa se destaca, enquanto na Bósnia coexistem croatas-bósnios e sérvios, formando um quadro demográfico complexo.
Desde o século XIV, os Balcãs foram palco de disputas territoriais e religiosas. Em 1389, a Guerra de Kosovo-Pollie resultou na derrota sérvia e na expansão do Império Turco-Otomano na Europa, resultando na consequente islamização das áreas conquistadas. Até o começo do século XX, os sérvios resistiram ao domínio otomano por meio de migrações e confrontos armados. No entanto, somente nas Guerras Balcânicas de 1912 e 1913, eles conseguiram expulsar os turcos e retomar o controle da região.
Com a derrocada dos turcos, o Império Austro-Húngaro, outra grande potência da época, concretizou sua soberania sobre os Balcãs, despertando a insatisfação de um nacionalismo crescente, que defendia o projeto da “Grande Sérvia”, o qual pretendia reunir todos os eslavos balcânicos em um país hegemonizado pela Sérvia e tutelado pelo Império Russo.
Nesse processo, os conflitos entre a Sérvia e a Áustria-Hungria eram constantes e culminaram no assassinato do herdeiro austríaco, Francisco Ferdinando, em 1914. Durante uma visita a Sarajevo, capital da Bósnia, o nacionalista sérvio Gavrilo Princip planejou e executou o atentado. Logo, aquilo que poderia ter sido apenas mais um episódio das disputas balcânicas acabou desencadeando a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pois os austro-húngaros declararam guerra à Sérvia, levando à intervenção da Rússia, aliada dos sérvios, e, em efeito dominó, à entrada de outras potências no conflito.
“O nacionalismo da região dos Balcãs pode ser considerado como o fator decisivo para ter a guerra. Não foi o único, porque a Primeira Guerra Mundial tem vários fatores, mas foi o que mais contribuiu”, pontua o historiador Abner.
O fim da Primeira Grande Guerra foi responsável por mudanças no cenário geopolítico europeu. O Tratado de Versalhes, assinado em 1919, determinou a dissolução do Império Turco-Otomano, reduzindo seu território à atual Turquia, enquanto o Império Austro-Húngaro foi desmembrado, resultando na separação entre Áustria e Hungria. Em 1918, foi criado o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, que, em 1929, passou a ser denominado Reino da Iugoslávia.
Com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Iugoslávia foi invadida pelos nazistas, desencadeando a criação do movimento de resistência denominado de partisans, guerrilheiros comunistas que buscavam defender os iugoslavos dos alemães e eram liderados por Joseph Broz Tito que, mais tarde, assumiria a liderança do território.
A liderança de Joseph Broz Tito e a dissolução do país

Joseph Broz Tito liderou a Iugoslávia até sua morte em 1980. Abner Jackson destaca a importância de seu governo por três razões principais: a contenção das rivalidades étnicas e a supressão do nacionalismo sérvio; a postura independente frente à União Soviética como parte do bloco dos países não alinhados; e a concessão de autonomia ao Kosovo pela Constituição de 1974.
Apesar das tensões, Tito conseguiu manter a unidade da Iugoslávia, com a afirmação de que deveriam conviver “seis países, cinco nações, quatro línguas, três religiões, dois alfabetos e um partido”, e incentivou a mescla da população, motivo da grande heterogeneidade étnica dentro de cada país. O modelo de governo consistia na centralidade de seu líder, mas com cada região controlada por um membro da Liga Comunista possibilitando-lhes uma certa autonomia.
Após a morte de Tito, a Iugoslávia enfrentou uma década de protestos, marcada pela crise do socialismo e pelo avanço de partidos ultranacionalistas e separatistas. Em meio a esse cenário, Slobodan Milosevic assumiu a presidência da Sérvia em 1989, implementando políticas nacionalistas e populares com o objetivo de controlar a federação iugoslava.
À medida que a Croácia, a Eslovênia e a Macedônia do Norte declaravam independência da Iugoslávia, as tensões acumuladas ao longo do século XX começaram a se manifestar em conflitos abertos. Em 1992, a Bósnia também proclamou sua independência, mas a Sérvia, contrária à separação, apoiou e financiou milícias na região, iniciando um cerco que se estendeu até 1995. O conflito ficou conhecido como o mais violento na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, deixando cerca de 100 mil mortos e 2 milhões de refugiados.
Cidades de maioria muçulmana foram alvo de limpeza étnica promovida por forças sérvias, sendo Srebrenica um dos casos mais emblemáticos. Aproximadamente 23 mil mulheres e crianças foram expulsas, enquanto todos os homens e adolescentes foram executados. Com o Acordo de Dayton, que pôs fim à guerra, Srebrenica ficou sob controle da Sérvia.
Entre as medidas adotadas por Milosevic contra o Kosovo, destacavam-se a revogação da autonomia concedida por Tito e a proibição da língua albanesa no sistema educacional do país. Iniciava-se, assim, outro conflito entre os sérvios e uma nação balcânica.
A Guerra do Kosovo (1998-1999) e a independência em 2008

Depois da Guerra da Bósnia, em meio à fragilidade política e às restrições impostas pelo governo sérvio, o Exército de Libertação do Kosovo (ELK), fundado no início da década de 1990, intensificou suas ações a partir de 1996, atacando principalmente autoridades. Em resposta, a Sérvia adotou uma abordagem ainda mais severa, acreditando que uma repressão intensa desmobilizaria o grupo. Contudo, o efeito foi oposto e em vez de recuar, o ELK manteve sua ofensiva.
Mais uma vez, a Sérvia recorreu ao procedimento de limpeza étnica, desta vez sob o pretexto de combater o ELK, colocando os kosovares no centro do conflito. Em fevereiro de 1999, o Acordo de Rambouillet foi apresentado como uma tentativa de cessar-fogo, mas acabou sendo rejeitado por Milosevic. Entre suas cláusulas, o tratado concedia à OTAN livre acesso aos equipamentos militares na Iugoslávia (então composta por Sérvia e Montenegro), sem oferecer uma solução diplomática concreta para a crise.
Diante da recusa do presidente sérvio, a ONU propôs uma resolução para a mobilização de tropas, mas o veto da Rússia impediu um consenso no Conselho de Segurança. Apesar disso, a OTAN deu início a uma intensa campanha de bombardeios contra Belgrado e as forças sérvias no Kosovo, que se estendeu por três meses. O conflito chegou ao fim em junho de 1999, quando um acordo de paz foi firmado, estabelecendo a retirada das tropas sérvias e o retorno dos refugiados.
Entre fevereiro de 1998 e junho de 1999, o conflito gerou uma crise de 1 milhão de refugiados e mais de 10 mil mortos. Abner defende que a entrada da OTAN foi fundamental para acabar com a guerra e para criar áreas de proteção aos muçulmanos, mas outros historiadores questionam o quanto esses bombardeios agravaram a crise humanitária.
As forças ocidentais permaneceram no Kosovo para prevenir novos conflitos, enquanto o Exército do Kosovo foi desfeito. Em 17 de fevereiro de 2008, o país declarou unilateralmente sua independência, um ato que, até hoje, não é reconhecido pela Sérvia.
A Seleção Kosovar de Futebol foi reconhecida pela FIFA em 2016 e, recentemente, garantiu sua ascensão à Liga das Nações B, onde disputará a competição pela primeira vez em sua história. Em novembro de 2024, durante uma partida contra a Romênia, a equipe nacional abandonou o jogo após torcedores romenos provocarem, entoando gritos de “Sérvia”.